Do dia 29 de maio ao dia 1º de junho de 2024, num feriado frio em São Paulo, participei da Conferência Internacional Sándor Ferenczi, realizada no Mackenzie com a presença de personalidades renomadas da Psicanálise nacional e internacional. Um evento de alto nível com plenárias, mesas de debates e muitos encontros nos corredores e cafés.
Não podia deixar de participar desse evento que ocorreu no Brasil pela primeira vez, organizado pelo Grupo Brasileiro de Pesquisa Sándor Ferenczi, se passasse essa vez, só no ano que vem em Barcelona… (até que não seria má ideia, não?…)
Ferenczi foi um discípulo, amigo e analisando de Freud. Nasceu na Hungria, era médico e começou a escrever sua própria teoria quando se deu conta que a psicanálise freudiana tinha suas limitações quando se tratava de atender pacientes mais difíceis, traumatizados para além das neuroses.
Em sua obra, uma das principais contribuições foi propor uma psicanálise mais empática, nos colocando numa posição de sentir com os pacientes, propôs uma técnica mais ativa, porém, sem perder o rigor, o cuidado e a ética. Inovou também, escrevendo sobre a teoria do trauma, propondo que ele ocorre em três tempos.
O primeiro tempo do trauma é quando o ato em questão ocorre, o segundo tempo é quando procuramos alguém de nossa confiança para ser testemunha do ocorrido e o terceiro tempo é quando ocorre o desmentido, ou seja, a pessoa que escolhemos como testemunha não valida, nega, não acredita que aquilo aconteceu. Esse terceiro tempo é onde o trauma se consolida.
O trauma pode ocorrer a partir de abusos de ordem sexual, violência física ou psicológica.
Para exemplificar, imagina alguém que ouve a todo tempo de um chefe palavras ofensivas, de invalidação, aqui nos referimos ao primeiro tempo de um trauma psicológico. Essa pessoa procura seu melhor amigo do trabalho para compartilhar o que está ocorrendo, para ser testemunha de seu sofrimento (esse momento é o que chamamos de segundo tempo do trauma) e esse melhor amigo não acredita no que está acontecendo, afinal, nunca viu o chefe tratar essa pessoa mal, e desmente seu amigo, dizendo que não acredita, que é coisa da cabeça dele! Aqui ocorre o terceiro tempo do trauma: o desmentido, onde a pessoa começa a se questionar, será mesmo coisa da minha cabeça? Mas a situação vai se repetindo, deixando a pessoa confusa. Aqui o trauma se consolida.
Imagina isso ocorrendo com um abuso sexual, um estupro, ou uma violência física, uma agressão… pois bem, são tantas situações possíveis e que escutamos muito na clínica… quando isso acontece, as consequências são muito variadas e dependem do tamanho do “estrago”… sabe quando um vaso cai no chão e se quebra? Tem alguns vasos que, dependendo da altura que caem, se quebram no meio, outros que se quebram em vários pedaços e outros que ficam estilhaçados. Imagina então quando uma situação traumática ocorre com uma criança… e assim vai…
Bom, foi essa teoria, que é muito mais complexa que essa breve explicação, que deu contorno a essa Conferência, com casos clínicos, com manejos, com mais teorias e uma ampliação articulada com outros autores.
O desafio foi escolher em qual plenária ou mesa de debates participar, já que elas ocorriam simultaneamente. A vontade de prestigiar colegas que apresentaram trabalhos, escutar um psicanalista super renomado, um tema que irá agregar na clínica, outro tema super atual.. não dava para estar em todos os lugares ao mesmo tempo… o fato é que qualquer escolha faria sentido, mas lidar com a renúncia foi difícil… que coisa , né?! Parece até que passamos por isso todos os dias!! Escolhas, renúncias… qualquer semelhança não é mera coincidência!